quarta-feira, 16 de junho de 2010

Game music e imersão

Na época das radionovelas já podíamos perceber como o som, os ruídos e as vozes podiam levar os ouvintes a ambientes imaginários. Utilizando apenas o recurso do áudio, os produtores podiam fazer com que as pessoas imaginassem histórias, sentissem medo, suspense, alegria. O exemplo do que aconteceu com “A guerra dos mundos”, de Orson Welles, transmitido em 1938, ilustra bem como os sons podem causar todas essas sensações. A radionovela era uma adaptação da obra “A guerra dos mundos”, de H. G. Wells, que relata uma inesperada e violenta invasão da Terra pelos marcianos. A história foi relatada como se fosse uma reportagem real e milhões de americanos ficaram aterrorizados e entraram em pânico. No final, Welles explicou que tudo isso era apenas uma brincadeira de Halloween. Este exemplo ilustra como o som, quando traz grande carga de realismo, pode levar as pessoas a um estado de imersão onde acreditam e se identificam com algo muitas vezes irreal.

No quesito imersão, a música para videogames funciona quase da mesma forma que nas radionovelas ou no cinema, quando se busca a identificação do espectador através da emoção. O áudio funciona como forma de ambientar o espaço onde o avatar se encontra, além de ter a função de despertar os mais diferentes sentimentos no jogador, como medo, suspense, alegria, tristeza. Segundo Karen Collins, no livro Game Sound, a imersão é o momento em que o jogador se identifica com o personagem, esquecendo temporariamente a fronteira que o separa do avatar. Janet Murray, no livro Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço também traz sua contribuição: “A experiência de ser transportado para um lugar primorosamente simulado é prazerosa em si mesma, independentemente do conteúdo da fantasia. Referimo-nos a essa experiência como imersão”.

Lucas Meneguette, em entrevista, fala desse espaço envolvente que a música cria: “Os portáteis - sejam celulares, sejam consoles de mão - são consumidos em todos os cantos da vida urbana: ônibus, metrô, sala de aula... A própria origem deles está relacionada com um aparato de ouvir música (os radinhos transistorizados da Sony, desde a década de 1960, o Walkman em 1970, o Discman em 1980, etc.), que pode ser carregado às ruas, formando um espaço próprio. O que é o jogo visual em meio a um metrô? A concentração necessária, o chacoalhar do espaço, as pessoas ali apertadas são fatores que dificultam a existência de um espaço fechado entre o jogador e seu aparato. A imersão no jogo é composta nesse fechamento espacial. Ora, mas o espaço visual é um espaço perspectivo, com ponto de fuga, unidirecional, e se é possível formar um espaço envolvente que circunde o jogador, é através de um adormecimento (ou esquecimento) do mundo, do entorno. Mas a música, o espaço sonoro, - diria Marshall McLuhan ou Murray Schafer - já se constitui em um espaço esférico, envolvente. Daí a popularidade do fone de ouvido e a facilidade de se jogar, em diversos espaços públicos, usando-se fones de ouvido - é a música e o som que constituem esse espaço que banha o jogador”, disse.

Para Karen Collins, a imersão está relacionada mais ao áudio do que à tecnologia ou realismo do jogo. Segundo ela, três dos cinco games que estavam no topo do top 100 de 2006 eram jogos antigos, da era de 16 bits, pressupondo que não é a tecnologia ou o realismo que gera maior imersão. Janet Murray cita como exemplo o jogo em CD-ROM Myst (Cian, 1993), afirmando que seu poder de imersão está relacionado ao som, que muda de acordo com cada área do jogo. De acordo com ela “A trilha sonora faz parte da técnica do jogo: ela fornece pistas de que estou clicando com o mouse na direção certa, como as dicas de frio e quente nas brincadeiras de caça ao tesouro. Mas o seu tom não é o de uma brincadeira. Pelo contrário, a solenidade da música reforça minha sensação de estar em contato direto com um terrível ato de perversidade. A música define minha experiência dentro daquela cena dramática, transformando uma simples descoberta num momento de revelação”.

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